Reflexões sobre liderança técnica: perguntas e respostas com Julia Hayward
Conteúdo retirado do site: https://www.infoq.com/br/news/2019/03/reflections-technical-leading/
Os empregadores precisam:
- adotar estruturas fluidas para que as pessoas encontrem equilíbrio em seu papel;
- que caminhos técnicos e gerenciais estejam lado a lado;
- um crescimento efetivo e genuíno com segurança psicológica, e;
- um bom mentor com quem falar sobre problemas e cenários, algo inestimável.
Estas são algumas das reflexões sobre liderança técnica trazidas por Julia Hayward, líder técnica na Redgate Software.
Julia Hayward compartilhou suas reflexões sobre um ano de liderança técnica no Agile in the City Bristol 2018. O InfoQ está cobrindo esta conferência com artigos de perguntas e respostas e resumos.
Tornar-se um líder técnico não deveria envolver risco de carreira, argumentou Hayward. Deveria ser possível retornar ao seu papel com trabalho técnico sem ter que responder o porquê.
Hayward declarou que "Como um líder de tecnologia, é preciso medir seu impacto: o que a equipe produziu versus o que teriam produzido sem você".
Se não confia na sua equipe, esse é seu problema como líder, e não um problema da sua equipe. Nesses casos, foi sugerido procurar por coaching e entender como encontrar soluções para lidar com isso.
O InfoQ falou com Hayward após sua palestra.
InfoQ: Foi mencionado alguns dos antipadrões que podem criar um abismo entre desenvolvedores e gerentes. O que são?
Julia Hayward: O abismo mais significativo ocorre em empresas que veem a gestão e o desenvolvimento como conjuntos de habilidades distintas e têm uma organização de duas vias, ou seja, ativamente prendendo seus desenvolvedores talentosos a papéis puramente técnicos enquanto outros são contratados para gerenciá-los. Isso aconteceu comigo no início da minha carreira, quando me recusaram uma promoção com base no fato de que era "muito valiosa como programadora", e um vendedor júnior foi promovido no meu lugar.
Certamente, alguns desenvolvedores desejam permanecer puramente técnicos, e não gostaria que ninguém fosse empurrado para papéis mais gerenciais contra a própria vontade. Mas esse cenário de duas vias leva a uma cultura de "nós e eles", no qual a tomada de decisões geralmente acontece sem contexto técnico suficiente, onde os desenvolvedores não podem ampliar sua visão e habilidade para assumir responsabilidades mais amplas e as inevitáveis falhas de comunicação geram suspeita e cinismo.
Um segundo cenário é onde há oportunidades para pessoas técnicas assumirem a responsabilidade gerencial, mas é um processo unidirecional - o lado gerencial do papel domina, excluindo o lado técnico. Também é muito frequentemente associado a status e pagamento, de modo que, se o gerente recém-formado achar que a função não está de acordo, será muito difícil retornar a uma função mais técnica. Se as pessoas técnicas perceberem os passos em direção à gerência como um passo de carreira fundamentalmente arriscado, muitos deixarão de tomá-las mesmo quando isso for um passo positivo.
InfoQ: Quais são as curas para esses antipadrões?
Hayward: Os empregadores precisam adotar estruturas mais fluidas para que as pessoas possam encontrar equilíbrio em seu papel. Os técnicos devem ser encorajados a ampliar suas habilidades e assumir algum grau de responsabilidade administrativa, mas em um ambiente seguro. Funções gerenciais devem estar lá para servir e apoiar os desenvolvedores a criar valor. E os caminhos técnicos e gerenciais devem estar lado a lado, permitindo que as pessoas se movam em qualquer direção à medida que crescem.
InfoQ: Como o papel de líder técnico se parece na Redgate?
Hayward: Depois de uma grande reorganização em 2016, a Redgate reformulou completamente sua estrutura técnica e pôde conceber um novo papel de líder técnico mais ou menos do zero. Como líder técnica, passo metade do meu tempo com a mão na massa junto com minha equipe - codificando, revisando código e investigando casos de suporte. A outra metade é uma mistura de gestão linear, interagindo com outras partes da empresa, defendendo a equipe e auxiliando em seu desenvolvimento pessoal.
Trabalho muito de perto com meu próprio líder de desenvolvimento, que é um ótimo mentor quando estou desenvolvendo minhas habilidades gerenciais e que confia fortemente em meu conhecimento técnico. É um papel muito interessante e me dá muito espaço para moldar minha carreira em torno do que sei que gosto de fazer, bem como progressivamente dar passos no desconhecido. Por exemplo, nunca me vi como uma palestrante potencial até que a Redgate desse uma oportunidade - e um empurrãozinho - para experimentar isso em nossa primeira conferência interna no início deste ano.
InfoQ: Quais lições aprendeu como líder técnica?
Hayward: Ao sair de um papel exclusivamente técnico, basicamente caí em três grandes armadilhas. Primeiramente, como uma nova gerente, minha vida tornou-se muito menos previsível e linear, e o leque de tarefas que poderiam surgir no meu radar se ampliava rapidamente. Delegar foi difícil no começo porque não tinha certeza do que poderia passar com segurança para a equipe, nem quanto espaço tinha para empurrar para trás intrusões na minha agenda. Priorizar foi uma ordem de grandeza mais difícil enquanto ainda estava desenvolvendo minha compreensão da importância relativa das tarefas - muitas vezes senti que estava tentando comparar maçãs e pêras. É uma lição contínua para discernir o valor de cada coisa e defender proativamente o meu tempo.
A segunda armadilha foi ainda estar querendo ser a desenvolvedora habilidosa, assumindo o código mais desafiador. "Vai ser mais rápido se eu fizer isso" é uma grande tentação! Era difícil deixar de considerar minha rapidez e confiabilidade para fazer algo e, em vez disso, medir minhas contribuições menos tangíveis para a produção da equipe. Aprendi que a equipe como um todo funciona da melhor maneira possível quando removo mais problemas técnicos menores e periféricos do caminho para o meu cronograma volátil, criando um ambiente no qual a equipe pode estar em pleno fluxo de trabalho para problemas muito difíceis. E é um ótimo sentimento vê-los crescerem como especialistas de domínio em quem confio absolutamente.
Finalmente, quando aceitei o papel, tive uma visão de mim mesma como uma gerente poderosa defendendo a equipe de todos os trabalhos que consideravam desagradáveis. Levou algum tempo para entender que estava lhes negando boas oportunidades de desenvolver suas próprias habilidades e que delegar criteriosamente era uma parte importante de preparar aqueles que estavam considerando a liderança técnica no futuro. Também precisei ter certeza de que ainda estava gostando do meu papel, certificando-me de que minhas habilidades técnicas não estavam enferrujadas e gastando algum tempo com meu desenvolvimento pessoal.
InfoQ: O que torna tão importante criar a segurança psicológica para as equipes?
Hayward: Não se pode ter um crescimento genuíno e efetivo sem segurança psicológica. O crescimento requer a saída regular da sua zona de conforto, se colocando em situações emocionalmente vulneráveis. Fiz uma experiência na minha equipe, com post-its coloridos no quadro de acordo com o tempo, tentando entender em que tarefas procrastinavam e o porquê. Um dos fatores que fez a equipe relutar em pegar determinados itens foi as consequências percebidas de fracasso - por exemplo, ninguém queria ser o único a escolher um bug apenas para descobri-lo intratável e ter que dizê-lo em uma stand-up.
Construir a confiança da equipe de que está em um ambiente completamente seguro lhe permitiu experimentar novas habilidades, como apresentar palestras, enfrentar desafios técnicos em que o resultado está longe de ser garantido e ser muito mais aberto um com o outro. Nossas retrospectivas se tornaram mais sinceras e honestas, e tentamos projetos ambiciosos que provavelmente teríamos evitado alguns anos atrás.
InfoQ: Se uma pessoa com formação técnica e experiência gostaria de se tornar um líder técnico, que conselho daria?
Hayward: Aproveite todas as oportunidades possíveis para ampliar suas habilidades e lembre-se de que as habilidades interpessoais são difíceis! Ter um bom mentor para falar sobre problemas e cenários será inestimável. Muito do que já sabe por ser um ótimo membro da equipe de desenvolvimento contará para ser um grande líder técnico. Entenda os ambientes nos quais pode prosperar agora, porque seu trabalho como líder será recriar esses ambientes para que toda a sua equipe possa prosperar. Pratique ser um facilitador tanto quanto um colaborador individual, e aprenda a celebrar o sucesso de todos. É uma sensação fantástica quando sua equipe alcança algo grande juntos, mesmo que nem sempre tenha um dedo seu na solução final!